quarta-feira, 28 de abril de 2010

Ritual de segunda feira..


Toda segunda feira, faço o mesmo ritual: acesso o site da Revista Época e leio a coluna da Eliane Brum.
E nessa segunda, não foi diferente. O que foi diferente foi o que encontrei por lá....Alguém, absurdamente corajosa,  se despiu .... "Ela" o fez de um jeito delicado, inteligente e extremamente sincero. E, assim "Ela" foi apresentada pela jornalista, em "O insustentável peso do ser".
Alguns trechos reproduzo aqui, com o fim de alertar acerca do pré conceito que há  com  a obesidade :

"Eu: Como é ser olhada como se tudo o que há em você fosse excesso de peso, como se gorda fosse tudo o que você é?
Ela: A minha sensação é de estranheza total, de não entendimento real desse modus vivendi. Não há empatia que eu tente que me faça absorver o peso como critério de exclusão de pessoas. É tão absurdo quanto a discriminação por raça, dinheiro ou religião. Não consigo aceitar. No caso do peso, posso até me render aos efeitos da discriminação e emagrecer, mas dentro de mim não consigo aceitar esse critério de exclusão. Lembro de uma história que foi muito marcante. Um tempo depois de me divorciar, cheguei ao trabalho e ouvi dois colegas conversando sobre mim, sem que se dessem conta da minha presença. Um deles disse: “Se ela emagrecesse uns dez quilos, não ficaria nem um segundo solteira no mercado...” Fiquei arrasada. Saí de fininho, com um nó na garganta e pensando: “Que desgraça de mundo é esse em que vivo?”

Eu: E como é não ser olhada com desejo por um homem?
Ela: Recentemente um cara, inteligente e muito divertido, depois de algumas cervejas soltou esta: “De onde saiu uma mulher como você, criatura? Meu Deus...” (com ar de interesse e até meio embasbacado). E, em seguida: “Agora, me diz por que a gente não consegue tudo em uma mulher só? No fundo, eu sonho com uma mistura de Catherine Deneuve e Simone de Beauvoir...” Bem. Não preciso dizer que eu era a Simone de Beauvoir da história, certo?

Eu: Aconteceu de você desejar muito um homem e claramente ele não conseguir ficar com você porque você é gorda?
Ela: Já aconteceu de reencontrar uma antiga paixão, com quem havia retomado contato por MSN, telefone e email. Ficou claro que queríamos nos encontrar pessoalmente, com os típicos e deliciosos jogos de sedução em andamento. Ele resolveu ir até a minha cidade, com a desculpa de visitar um amigo. Menos de três horas depois que havia chegado, já estávamos almoçando juntos. E esta foi a última vez em que nos encontramos durante os dias em que permaneceu aqui. Ele é um cara muito bonito. A última vez que havia me visto eu estava com uns 10 quilos a menos e, não tenho a menor dúvida, me dispensou por estar acima do peso. Estar gorda destruiu as chances de reaproximação, não importa o quanto tenha sido boa, sedutora e divertida a conversa pessoal. O sentimento é de raiva. E de indignação. Que culminam numa grande “menos valia”. Uma mulher pode até ser forte. Mas não é Deus.

(...)

Eu: Por que você acha que a sociedade tem tanta dificuldade com as pessoas acima do peso estabelecido como normal?
Ela: Acho que todas as sociedades sempre tiveram um padrão de beleza estabelecido e sempre foram cruéis com quem não atende a este padrão. A exclusão com o diferente-marginal não é algo privativo do mundo contemporâneo. A questão é que, hoje, na classe média e alta da maioria dos países ocidentais, o belo equivale essencialmente à magreza. Ser gordo significa se tornar alvo da exclusão do diferente, que é própria das organizações sociais. Algo cultural e praticamente inevitável. Em regra, o ser humano, quando se depara com a diferença, se sente ameaçado. “Se ele está certo e é diferente de mim, isso significa que estou errado?”. Esta é a pergunta que o consciente ou o inconsciente das pessoas faz. E é isso que as impulsiona a tentar mudar ou até destruir o diferente. É muito difícil que lidem bem com a possibilidade de vários certos, a partir de várias escolhas, próprias de diversas realidades. São estas dificuldades individuais com a diferença que, reunidas, formam um coletivo de exclusão, em determinados extratos sociais. Neste espaço, o coletivo excludente recai, também, sobre os obesos.

Eu: Você já se sentiu menor por ser grande?
Ela: Já me senti uma mulher invisível. Grande, gorda e invisível...

Eu: Como é isso? Me fala um pouco mais como é ser grande, gorda e invisível...
Ela: Você está com mais três amigas em uma boate. Duas delas são magras. Você e a outra amiga não são obesas, mas estão claramente acima do peso. Os homens passam e só olham, conversam ou coisa que o valha, espontaneamente, com as mulheres magras. Para você e a outra amiga conseguirem contato é preciso que uma conversa entre todos se dê ou alguma coisa semelhante. Aí pode vir à tona algum tipo de qualidade sua que chame a atenção. Bom humor, inteligência, simpatia... Caso contrário, é como se nós, as mulheres gordas, não existíssemos. Os homens não olham, nem falam, nem se interessam por sua existência terrena. Eles, nos próximos dias, podem até passar horas falando para os próprios amigos ou familiares que não se importam se uma mulher é gorda ou não, que querem uma mulher “real” e gente boa, que paqueram todo tipo feminino em bares e boates, mas a verdade é que, se você é gorda, o universo masculino de classe média/alta não percebe sua existência. Como eu disse: grande, gorda e invisível.

Eu: Se há tantas perdas, por que emagrecer? Você me escreveu que algo de você “já começou a morrer”. O que? Que luto é este?
Ela: É o luto de quem entrou para a manada. De quem perdeu a própria individualidade, que não está na gordura, mas na capacidade de ser fiel aos próprios valores e prioridades. O luto de quem desistiu de defender a multiplicidade pós-moderna – onde haveria espaço inclusive para os obesos, ou seja, para existências e escolhas as mais diferentes possíveis – e se rendeu à verdade única moderna: a magreza. É o luto de me ver misturada a valores que sempre considerei de segunda linha, como a valorização excessiva da imagem – o que parecemos – em vez daquilo que de fato somos. Há algo da minha alegria genuína que vai se perdendo nesse processo. É como se eu pensasse: “Tudo bem, pessoal, vamos lá. Serei uma de vocês. Dá mesmo muito trabalho sustentar ser eu mesma nesse mundo”. Há algo de muito triste nessa experiência que, aliás, tem muito de desistência. E não adianta dividir essa tristeza, porque todos julgam esse sentimento como uma “defesa inconsciente típica do gordo” que, com base nela, vai acabar achando um jeito de “boicotar o emagrecimento e voltar ao lugar triste da obesidade”. Na verdade, não vou boicotar, não. Dá vontade de dizer: “Respirem aliviados e não gastem saliva. Serei magra e farei tudo para me manter assim. Estará tudo bem em algum tempo. Estaremos do mesmo lado”. Já entendi que, no meio social em que vivo, é o único jeito de não sofrer significativas sanções de exclusão.

Eu: Mas, vou insistir. Se é um processo tão violento para você, por que emagrecer?
Ela: É verdade que dieta é uma violência com relação a tudo o que eu acredito. Talvez soe até bobo e infantil reclamar da escolha de emagrecer. É provável até que não faça sentido e que o sentido aparente termine sendo o amoroso-sexual. Sem dúvida, este ganho está presente. Mas há outros. E não é que eu não consiga viver sem estes outros ganhos. Consigo, tanto que vivi, e bem, até aqui. A questão é que estou exausta do esforço que é preciso para isso. Eu não quero ouvir dicas sobre a importância de emagrecer, correr, fazer dieta, a cada telefonema, a cada encontro, a cada email. Diante do meu pedido expresso para que isso não ocorra, não quero ver o melhor amigo passar os meses se segurando, com grande esforço, para não terminar cutucando o assunto de forma impiedosa. Não quero ouvir alguém que pesa mais de 120 quilos gritar que “não há ninguém no mundo que seja feliz sendo gordo!”, me acusando de mentir para mim mesma, quando afirmo que magreza não é exatamente um valor próprio. Não quero ser ignorada na boate porque estou gorda, nem ouvir que estou solteira porque estou gorda, nem perceber os colegas fiscalizando o tamanho do meu prato, nem ver condenação estampada nos olhares que me rodeiam. Este massacre pelo emagrecimento me encheu tanto que prefiro virar uma “paty-tamanho-40”, com um sorriso no rosto sujo por uma folha de rúcula e por um tanto de covardia. Eu realmente estou cansada de, tendo de lidar com tantas coisas difíceis no cotidiano, ainda aguentar os olhares que me dizem o quão imperdoável é estar acima do peso. Veja bem: Não é que seria impossível aguentá-los. Mas é preciso esforço demais... E a vida já anda com desafios significativos. Declino da batalha e entrego os pontos.

Eu: Você me disse que emagrecer é uma espécie de “se perder e se prostituir”. Por quê?
Ela: Como eu disse, emagrecer foi uma escolha para atender algo que não é fruto do meu próprio desejo. Eu, que me considero tão centrada, tornei-me refém de valores que jamais serão meus, não importa o quanto os siga, por fraqueza ou por covardia. Especificamente sobre a sensação de estar me “prostituindo”, é como se o pagamento pelo esforço em emagrecer se desse em olhares de admiração e de tesão. Às vezes parece um preço alto e absurdo demais para este estranho sexo social. Quando penso que estou usando uma parcela da minha vida para lidar com isso e, no mesmo instante, no mesmo país, há alguém faminto, me sinto uma verdadeira aberração. Tenho receio de terminar esse caminho meio perdida, sem saber direito aquilo em que acredito, nem muito bem o que desejo. Tenho receio de uma nostalgia saudosa do gozo assumido e inteiro, muito mais suave, a que estava acostumada. Porque podia até não ser perfeito, mas eram escolhas inteiras. Sempre achei que estar íntegro no erro é melhor do que alienada em eventuais acertos exógenos. Por outro lado, atendendo a essa exigência social, a vida no meio em que me relaciono pode se tornar mais fácil. Estar acima do peso dificulta bastante os dias numa terra de mulheres deslumbrantes, bem cuidadas e magras. E há um momento da vida em que você descobre que, se já superou tempos difíceis, tem direito à sua cota mínima de covardia e futilidade nessa existência. Estou exercendo minha cota. Covarde demais para me manter quem eu era, me rendi ao mundo e estou fazendo sacrifícios para emagrecer. Não falo isso como uma grande vítima. Mas como uma mulher adulta, como um sujeito de escolhas conscientes e incoerentes.

Eu: É uma escolha sua ou do mundo?
Ela: A escolha, eu acho, é minha. Porque é lógico que eu poderia continuar gorda. Dentre as mulheres gordas que conheço, talvez eu fosse daquelas que realmente sustentaria, razoavelmente feliz, ser quem é. Quer saber a razão de eu não fazer isso? É lógico que quero, e muito, como todo ser humano, ser aceita e amada. Mas, mais do que isso e principalmente: eu quero uma vida mais fácil. Simples e fútil assim. Estou cansada de batalhar por valores que as pessoas, inclusive as muito queridas, sequer entendem. Juntar-me ao todo dá uma sensação de alívio coletivo e este alívio faz com que me deixem em paz, que é exatamente o que eu desejo e preciso agora. Então eu tomo só um chope pequeno, num dia de calor insuportável, em que não haveria nada demais tomar os três habituais. E volto caminhando para casa para queimar as calorias. No dia seguinte, não como duas fatias de pão integral light, mas só uma. Por fim, confesso o pecado para a nutricionista, que me absolve, com um ato de contrição que exclui queijo amarelo por dois meses. Saí mais cedo do bar e perdi as últimas gargalhadas para não correr o risco de tomar mais um chope. Fiquei com fome durante toda a manhã e sonho, há dias, com requeijão derretido no micro-ondas. Mas tudo bem. "


3 comentários:

Namorada Girassol disse...

Minha Amada Flor,

Que post hem!
Sabe ,tu tocas num assunto que ninguém dá a devida atenção,o preconteceito sobre os "obesos".
Me vi , me li, me emocionei e me encontrei neste post,o qual assino em baixo!
EU SOU SIM ... "uma mulher invisível. Grande, gorda e invisível..."
E é doloroso saber - se assim,é um
assumir-se muito cruel!
Sei exatamente como é sentir -se bem,e sentir- se mal com os julgamentos alheios.
Sei de cada dor,de cada dissabor,do quanto machuca tornar-se ínvisivel pelo próprio peso;
E teu post vem a calhar,na semana em que eu decidi não ser mais invisível,grande e gorda.
Retomei minhas caminhadas,minha dieta, e todo o processo dolorido dessa "prostituição" de perder peso,preciso voltar a ser"gente",pois mulher gorda deixa ser "gente".
Desisto de ser a boba da corte da minha vida!
E tomo as rédeas do meu peso!
Dói...mas é preciso,ou morro um pouco ou me matam dia-a-dia com requinte de crueldade,essa é a realidade!

Bjks no teu coração!

Leleis disse...

Então amiga...

Só que a entrevistada acredita que emagrecendo será amada.
E eu, sinceramente, penso que ela está equivocada.
Tem um caminhão de gordinhas por aí muito bem amadas. Apesar de gordas. Outras mulheres são amadas e são "feias". Outras tantas são amadas e são "chatas", "autoritárias", "ignorantes"...Como assim? e eu sou tão legal, e ñão sou amada.
Tem mulheres belíssimas e não são amadas...
Ser amada depende de fatores mais
Ser gorda, não é excludente assim.
Acho que ela deveria rever os sentimentos dela.
Ela deve se amar. Descobrir quem ela é e SE FAZER FELIZ.
A felicidade não vem de ser amada.
A não ser que ela queira apenas satisfazer o ego e mostrar que tem alguem....
Ou só vai se frustrar mais ainda...

Gislãne Gonçalves disse...

Gostei da iniciativa...Nada de pré conceito....
:)