"Sim, Alice, abra as portas trancadas.
E não tenha medo de entrar por elas: ter medo é sofrer por antecipação.
Ponha o chapéu certo para cada ocasião e siga em frente.
Não se preocupe se ele não combinar com suas roupas: o importante é proteger a
cabeça.
Às vezes, você vai sentir que caiu no chão e o estrondo pode ser bem grande. Além disso, dependendo do tamanho que você tenha, a queda pode machucar muito. Acredite... é uma sensação pior do que encolher...
Quando isso acontecer (é inevitável que aconteça um dia), respire bem fundo e nunca, jamais, culpe a vida. A culpa é do mundo, que gira sempre mais e mais rápido, e pode nos causar tonturas e vertigens.
Não existe fórmula mágica que evite isso.
É só se levantar e recomeçar o caminho de onde estiver.
Deixar-se guiar pelo medo é usufruir apenas do azul num espectro multicor: é tentar achar o caminho olhando para o céu-sem-nuvens-do-sertão, ao meio-dia.
Você vai queimar o nariz e ainda estará perdida.
Se o medo aparecer, coloque-o no bolso, e siga em frente. De vez em quando olhe-o, como a um relógio, mas em seguida guarde-o de novo. Fora do bolso, o medo tende a crescer e
engolir quem o segura. O bolso, Alice, o bolso é o lugar dele, não se esqueça.
E não ache que uma pessoa é só aquilo que mostra ser neste instante, lembre-se: por baixo da tinta, algumas rosas vermelhas são brancas. É só o tempo passar e isso se torna visível. Até com você, Alice.
Até comigo.
Há quem ordene decapitações por todos os lados, é gente que não sabe para que servem
os chapéus. Não se preocupe em excesso com essas pessoas, elas também jogam jogos cheios de regras. Basta que uma regrinha pequena mude e perdem a cabeça, você não precisará cortá-las (sim, Alice, porque as regras estão sempre mudando).
Não tenha medo de falar o que sente: palavras guardadas se liquefazem e, quando você menos esperar, estará se afogando nas suas lágrimas.
Quando amar alguém, diga-lhe isso.
Vou contar uma coisa: existe a chance de, depois de confessar amor, vir a vertigem e a temível queda. Se acontecer, tome chá: faz bem à saúde. Não gosta de chá? Tome café, então. Ou chocolate quente. O importante é ter uma xícara e alguém que acompanhe você: nem podemos imaginar as conversas que duas pessoas podem ter em frente às suas xícaras. E quantos anos a mais de vida terão por isso.
Anotou tudo?
Não se preocupe, o que eu disse não fará sentido algum se você não for capaz de traduzi-lo para sua língua interna.
Nunca ouviu falar nisso?
Ah, você ainda tem muito o que aprender...
Numa sociedade, só se fala a língua nacional em eventos sociais. Mas cada um tem sua língua própria e se expressa nela de si para si.É um idioma muito pessoal, que nos faz compreender as coisas, tirar conclusões, apreender os sentidos ocultos das cores e dos sons.
É uma língua sem palavras, como música de violinos.
Alguns nunca se apercebem dessa verdade e deixam de saber as respostas a muitas perguntas ... Outros passam a vida tentando fazer traduções da língua interna para a língua materna... E escrevem poemas, contos, romances.
São uns loucos, Alice, de uma loucura adorável.
E não ligue se as coisas não fizerem sentido: a vida pode acontecer em recortes...
Agora não sabemos como juntá-los, mas um dia saberemos.
Por isso, Alice, não jogue os retalhos fora, viver é uni-los, um a um."
Chapeleiro Maluco
2 comentários:
esse texto me emocionou, pois estou num momento de vida em que me sinto uma gigante após a queda, após o estrondo.
comovente!
Maravilhoso o texto!
Foi extraído do livro ou do filme de Alice?
Parabéns pelo blog, ele é muito parecido com o que idealizo - mas nunca realizei.
Continue vivendo,
Um transeunte.
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