terça-feira, 26 de maio de 2009

Amizade sem trato


Dei para me emocionar cada vez que falo dos amigos.
Deve ser a idade, dizem que a gente fica mais sentimental . Mas é fato : quando penso no que tenho de mais valioso, os amigos aparecem em pede igualdade com o resto da família . E quando ouço pessoas dizendo que amigo, mas amigo meeesmo, a gente só tem dois ou três, empino o peito e fico até meio besta de tanto orgulho : eu tenho muito mais do que dois ou três. São uma cambada. Não é privilégio meu, qualquer pessoa poderia ter tantos assim, mas quem se dedica?
Fulano é meu amigo, Sicrana é minha amiga. É nada. São conhecidos . Gente que cumprimentamos na rua, falamos rapidamente numa festa, de repente sabemos até de uma fofoca pesada sobre eles, mas amigos? Nem perto.
Alguns até chegaram a ser, mas não são mais por absoluta falta de cuidado de ambas as partes.
Amizade não é só empatia, é cultivo. Exige tempo, disposição. E o mais importante : o carinho não precisa – nem deve- vir acompanhado de um motivo.
As pessoas se falam basicamente nos aniversários, no Natal ou para pedir um favor - tem que haver alguma razão prática ou festiva para fazer contato.
Pois para saber a diferença entre um amigo ocasional e um amigo de verdade, basta tirar a razão da cena. Você não precisa de uma razão, basta sentir a falta da pessoa.
E, estando juntos, tratarem-se bem.
Difícil exemplificar o que é tratar bem. Se são amigos mesmo, não precisam nem falar, podem caminhar lado a lado em silêncio. Não é preciso troca de elogios constantes, podem até pegar no pé um do outro, delicadamente. Não é preciso manifestações constantes de carinho, podem dizer verdades duras, às vezes elas são necessárias .
Mas há sempre algo sublime no ar entre dois amigos de verdade. Talvez respeito seja a palavra . Afeto, certamente. Cumplicidade? Mais do que cumplicidade.
Sintonia?
Acho que é amor.
Oh céus! Santa pieguice , Batman! Amor? Está lengalenga de novo?
Sério, só mesmo amando um amigo para permitir que ele se atire no seu sofá e chore todas as dores dele sem que você se incomode nem um pingo com isso. Só mesmo amando para você confiar a ele o seu próprio inferno. E para não invejarem as vitórias um do outro. Por amor, você empresta as coisas, dá o seu tempo, é honesto nas suas respostas, cuida para não ofender , abraça causas que não são suas , entra numas roubadas, compreende alguns sumiços – mas liga quando o sumiço é exagerado. Tudo isso é amizade com trato.
Se amigos assim entraram na sua vida, não deixe que sumam.
Porém, a maioria das pessoas não só deixa como contribui para que os amigos evaporem . Ignora os mecanismos de manutenção. Acha que amizade é algo que vem pronto e que é da sua natureza ser constante, sem precisar que a gente dê uma mãozinha. E aí um dia abrimos a mãozinha e não conseguimos contar nos dedos nem dois amigos pra valer.
E ainda argumentamos que a solidão é um sintoma destes dias de hoje, tão emergenciais, tão individualistas.
Nada disso.
A solidão é apenas um sintoma do nosso descaso.
(Martha Medeiros)

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